26 novembro, 2007

A Luz da Madrugada


Trata-se do novo livro de poesia de Fernando Pinto do Amaral, editado pela D. Quixote

A ler!

Deixo aqui um poema ...



Alentejo

Regressa devagar à luz da tarde,
ao voo de uma cegonha que se entrega
ao azul. Também tu
quiseste acreditar no coração,
no fogo que alimenta as suas leis,
nessa comédia quase inofensiva
das relações humanas.

Regressa devagar a esta luz
e esquece-te de tudo: das palavras
que alguém te segredou de madrugada;
das notícias que lês no teu jornal,
das cotações, das fotos, das mensagens
que hibernam no telefone desligado.
Esquece acima de tudo
esse disco riscado de mil frases
mil vezes repetidas a que chamam
poesia.

Regressa devagar à planície
e ama a sua luz, as suas sombras:
ignora os disfarcs do destino,
o rasto das estrelas. o seu rosto
de febres e cansaços;
e aceita com um olhar esse perdão
que as aves te concedem por estares vivo.

in A Luz da Madrugada

22 outubro, 2007

Idades Cidades Divindades

Trata-se do novo livro de poesia de Mia Couto, publicado pela Caminho.

Transcrevo um poema (escolha arbitrária) para aguçar o apetite.

Sementes


Olhos,
vale tê-los,
se, de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia no mais denso escuro.

Vida
vale vivê-la
se, de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos em pleno deserto.

Maputo, 2004

09 agosto, 2007

Degredo no Sul


A Associação dos Municípios do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral, através do jornal Diário do Alentejo, a Assírio & Alvim, a Longitude Zero Associação e o Centro Cultural Emmerico Nunes sentiram necessidade de homenagear Al Berto, por ocasião dos dez anos da sua morte. Sentiram urgência em celebrar o poeta refixando as suas próprias palavras. Sentiram, afinal, precisão de regressar. De regressar ao mar, tornando ao sudoeste, ao mar de leva, seguindo os desertos e as cidades e anotando no jornal desta breve viagem algumas geografias assumidas por Al Berto. Ao Sul. No Alentejo.

25 maio, 2007

Não me lembro o que aconteceu a seguir ...

(...)

Nenhum de nós sabia se o sonho, ou a morte, nos conduziria a algum
porto de felicidade.

Não me lembro o que aconteceu a seguir.
A noite deixava-se habitar por um silêncio escorregadio.
Veio-me então ao pensamento o grande porto do sul onde aportaras e
dizias ter sido feliz.
As horas começaram a cair umas sobre as outras, iguais, sem frémito,
melancólicas.
Quando te digo que vou de novo partir, perguntas-me: morre-se porquê?

(...)

Al Berto, excerto de "Luminoso Afogado, in O Medo

Foi a 13 de Junho de 1997 que Al Berto partiu... ´


Para recordar ...

Poeta e Editor


Al Berto, nasceu em Coimbra em 1948, e passa a sua infância a adolescência em Sines. Exila-se em Bruxelas durante os anos da Guerra Colonial onde prossegue os seus estudos nas Belas Artes. Regressa a Portugal em 1975, após o 25 de Abril.
Em 1970 abandona definitivamente a Pintura, muito embora subsista o interesse pelas Artes Gráficas e pela Fotografia.
Começa a publicar com regularidade nos finais da década de 70: "Mar de Leva" (1976), sete textos dedicados à Vila de Sines; "À Procura do Vento num Jardim d' Agosto" (1977); "Trabalhos do Olhar" (1982); "Salsugem" (1984); "Uma Existência de Papel" (1985).
Todos estes títulos de poesia são reunidos em 1987 sob uma única publicação "O Medo" que lhe granjeou o Prémio PEN-Clube de Poesia. Em 1988 envereda pela prosa com "Lunário" e, mais tarde, em 1993, publica "O Anjo Mudo".
Em 1991, "A Secreta Vida das Imagens", inspira-se na obra de artistas clássicos e contemporâneos, nacionais e estrangeiros: Giotto, Van Gogh, Chagall, Andy Warhol, Mário Cesariny, Cabrita Reis, Ilda David. Em 1995, publica o seu mais recente livro de poesia, "Luminoso Afogado".
O reconhecimento público da sua vasta obra culminou em 92 com a atribuição por parte de Sua Excelência o Presidente da República do grau Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, no dia 10 de Junho, Dia de Portugal e das Comunidades.
Exerceu ainda funções de Animador Cultural da Câmara Municipal de Sines e Director do Centro Cultural Emmerico Nunes.
Foi convidado por várias vezes para representar oficialmente Portugal em manifestações de divulgação da Cultura Portuguesa: Belles Etrangères, Europe à livre ouvert, Le Portugal à Bordeaux, em França, e Europália 91, na Bélgica.
Foi-lhe concedida Medalha de Mérito Municipal, em 1995, não só pelo trabalho de inovação prestado à Cultura Portuguesa mas, também, à nossa terra (Sines), pelo superior desempenho de um nosso conterrâneo numa área cujo sucesso e notoriedade são demasiadas vezes glórias póstumas de um futurismo incompreendido.
O Poeta leu excertos da sua obra poética na altura da entrega da medalha.

Publica o seu último livro "Horto de Incêndios" em Março de 1997.
Faleceu em Lisboa a 13 de Junho de 1997.
GIRP / C.M.S.


Obra:

Poesia

À Procura do Vento num Jardim d'Agosto. Lisboa: 1977.
Meu Fruto de Morder, Todas as Horas. Lisboa: 1980.
Trabalhos do Olhar. Lisboa: Contexto, 1982.
O Último Habitante. Lisboa, 1983.
Salsugem. Lisboa: Contexto, 1984.
A Seguir o Deserto. Lisboa: & etc., 1984.
Três Cartas da Memória das Índias. Lisboa: 1985.
Uma Existência de Papel. Porto: Gota d'Água, 1985.
O Medo (Trabalho Poético 1974-1986). Lisboa: Contexto, 1987.
O Livro dos Regressos. Lisboa: Frenesi, 1989.
A Secreta Vida das Imagens. Lisboa: Contexto, 1991.
Canto do Amigo Morto. Lisboa: 1991.
O Medo (Trabalho Poético 1974-1990). Lisboa: Contexto, 1991.
Luminoso Afogado. Lisboa: Salamandra / Casa Fernando Pessoa, 1995.
Horto de Incêndio. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997.
O Medo. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.

Prosa

Lunário. Lisboa: Contexto, 1988.
O Anjo Mudo. Lisboa: Contexto, 1993.

Traduções:

Castelhano
Doce señales. Trad. Adolfo Navas. Madrid: Cuaderno de Poesía Portuguesa, 1989.
Una Existencia de Papel. Trad. Ángel Campos Pámpano. Valencia: Pre-Textos, 1993.
La secreta vida de las imágenes. Trad. José Luis Puerto, Amarú Ediciones, 1997.

Francês
Voyage d'un Portugais avec un stylo en Cévennes. (Viagem de um Português com uma Caneta nas Cévennes). In Les itinéraires littéraires en Corèze. Ed. Jacques Brémond, 1989.
Chant de l'ami mort /Canto do Amigo Morto (ed. bil.). Lisboa: Europália, 1991.
La peur et les signes (anthologie). Trad. Michel Chandeigne. Bordeaux: L'Escampette, 1993.
La secrete vie des images. Trad. Jean-Pierre Leger. Bordeaux: L'Escampette, 1996.

Inglês
(A Secreta Vida das Imagens). Trad. Richard Zenith. Dublin: Mermaid Turbulence, 1997

Italiano
Lavori dello sguardo. Trad. Carlo Vittorio Cattaneo. Roma: Florida, 1985.

Há-de flutuar uma cidade

há-de flutuar uma cidade...

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade


Al Berto, O Medo

18 maio, 2007

O livro...A leitura

Um objecto, uma actividade
Uma mensagem...

Um culto, um passatempo, um recurso, uma necessidade

Marcas de um autor;
Marcas de um leitor.

06 maio, 2007

Eis-me acordado muito tempo depois de mim

Este livro de Golgona Anghel, editado pelas Edições Quasi, pretende ser uma biografia de Al Berto (assim consta na capa como subtítulo). Por este motivo, e como apreciadora da obra de Al Berto, decidi comprá-lo e lê-lo.

Mas durante a leitura verifiquei que este trabalho contém erros gravíssimos (científicos, ortográficos e sintácticos), que uma revisão atenta da editora (para não falar da autora) deveria ter corrigido...

Como exemplo, cito este: "(...) afirma Enrique Vilas-Matas, heterónimo de António Tabucchi (...)", p.39.

Tanto um como outro são escritores de "pele e osso":

O primeiro nasceu e vive em Barcelona e é autor de uma vasta obra em prosa;
O segundo nasceu em Pisa e tem vivido pelo mundo(Bolonha, Roma, Génova, Siena, Nova Iorque, Paris, Lisboa...)foi professor universitário e também autor de uma vasta obra(romances, contos, ensaios, teatro), traduzida em mais de 30 línguas.

Penso que Al Berto, como primeira biografia merecia bem melhor!

Dia do Francês - 2007

23 abril, 2007

LER

"Leio e estou liberto. Adquiro objectividade. Deixei de ser eu e disperso. E o que leio, em vez de ser um trajo meu que mal vejo e por vezes me pesa, é a grande clareza do mundo externo..."

Fernando Pessoa